Para alguns setores do Itamaraty, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se tornou um cidadão comum no Brasil ao deixar o poder, como é normal e razoável em países civilizados. No mês passado, o repórter Filipe Coutinho requisitou, pela Lei de Acesso à Informação, documentos públicos relativos a negócios envolvendo a empreiteira Odebrecht. São documentos que já deveriam estar disponíveis para consulta por qualquer pessoa. Pelos critérios legais, o prazo para atendimento é de 20 dias corridos, prorrogáveis por mais dez. Quando os dois prazos se esgotaram, o Itamaraty informou ao repórter que precisaria de mais dez dias úteis para atendê-lo. A justificativa era que “a consolidação dos dados demandará trabalho adicional”. Nesta sexta-feira (12), o jornal O Globo revelou a verdade: a documentação já estava pronta, mas um diplomata tentava manipular as regras para torná-la inacessível.
O Globo mostrou um documento no qual o diplomata João Pedro Costa toma por base reportagens relativas às ligações entre Lula e a Odebrecht e escreve a um superior: “Estes documentos já seriam de livre acesso público”, diz. E complementa: “(…)o fato de o referido jornalista já ter produzido matérias sobre a empresa Odebrecht e um suposto envolvimento do ex-presidente Lula em seus negócios internacionais, muito agracederia a Vossa Excelência reavaliar a anexa coleção de documentos e determinar se há, ou não, necessidade de sua reclassificação para o grau de secreto.” Pelo que se depreende do documento, um funcionário do Itamaraty queria driblar a lei com o intuito de preservar Lula.
A atitude demonstra que, pelo menos para uma facção de servidores, as atividades empresariais de Lula estão acima da transparência obrigatória devida pelo Itamaraty – e por todo governo – ao público que paga por seus serviços e salários. É temerário para a democracia que um burocrata se sinta à vontade para driblar a lei mediante a simples possibilidade de dados públicos criarem constrangimento a um político. Lula é um cidadão comum. Suas atividades privadas estão sujeitas ao escrutínio público porque seus passos como prestador de serviços da Odebrecht em viagens ao exterior contaram com o apoio da diplomacia brasileira. O Ministério Público Federal abriu investigação sobre tais viagens. Não houve, até agora, abertura de inquérito – mas, para o Ministério Público, Lula é suspeito de tráfico de influência internacional.
A Lei de Acesso à Informação é um avanço civilizatório. Estabelece critérios para que o cidadão possa saber o que o governo, eleito com seus votos e sustentado por seus impostos, faz em seu nome. Documentos são classificados de acordo com seu grau de sensibilidade e liberados em prazos definidos; os mais delicados, que tratam de questões de segurança nacional, ficam ocultos por mais tempo. Uma reclassificação de documentos segue critérios e é feita por uma comissão. É difícil imaginar que as viagens de Lula toquem em alguma questão de segurança nacional. Funcionários do Itamaraty não podem, por critérios políticos pessoais, sugerir que a lei seja subvertida para preservar a imagem de quem quer que seja.
Época
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